sábado, 5 de setembro de 2015

Literatura Idalta: Primeiro insumo poético da Ida Literária

Me dita ação
Por: Denis Faria

Estatua não me deixe ser como você
Não poder falar mexer amar viver
Não ter a máxima amplitude
Das cascatas e ondas da consciência
Estatua não permita sua solidão
Penetrar o âmago do meu coração
Tornar cálcio o fluído
O oceano da existencial transformação
Estatua por que ser concreto?
Por que ser imóvel?
Ser eternamente isso?
A resposta me veio do seu nada
É necessário se acostumar com o difícil
Para melhor fazer o fácil sem obstáculos
A permanência é uma qualidade
De poucos para poucos
Não há saída para essa ida.


Senso de Sensações
Por: Ricardo Vidal

Já estive no céu
Já estive no inferno e estar no limbo é saber falar a língua dos anjos
Ainda que o diabo lhe trague um cigarro.


Inaudita Voz
Por: Denis Faria

Que voz é essa misteriosa que indaga
Sob a origem do nada
Que voz é essa que perscruta
Incansadamente acerca da fatalidade
Do tempo e das amarras do espaço
Que voz é essa que se esconde
Entre as paredes do universo
Que voz é essa que sugere
Caminhos sem direção
Que voz é essa que insisti
Em abrir as portas da solidão
Que voz é essa que há muita custo se revela
Que voz é essa que emerge do caos
E como um alento renova arrebata e liberta
Mas em tudo coloca uma interrogação?
Essa voz que não encontra lugar
E nem se quer deseja razão
Não vem de Deus
Não vem dos Anjos
Ou dos Profetas
Essa voz que pretende ser singela
Ouça bem ou não
Vem do coração dos poetas.


Amor, Suor e Poesia
Por: Ricardo Vidal

A monotonia é cinza
as portas da solidão estão abertas...

Sonhos projetam as sombras da iluminação
planejam amar-te !
a-m-a-r-t-e acima de tudo
realizar-te com unívoca devoção
celebrar os frutos de nossa poética união

Andar pela cidade
amar pelas raízes
com flores de lealdade
e aquarela em nossas matizes

Reconhecer um no outro
o acalento que combate o frio
envolver-se em cada fio
no suor do nosso corpo

Combater com a nossa luta
toda pedra que torne a rosa bruta
entregar-se como filhos da classe operária
e amar-se como deuses subversivos

Declamar a poesia incendiária
para o mais perfeito plano:
flamejar nos braço e abraços
de quem mais amo

Todos os dias voltar pra casa
e voar fora da asa
como anjos da palavra
escrevendo com o céu da boca

Salivar com a mente solta
com o brilho da maior grandeza
combater a monotonia
com a força de nossa leveza

Amor, suor e poesia !
...as portas do coração estão abertas
entre se quiser
amor.


Lábios presos
 Por:  Javier Morejón 


Vejo um homem mudo, com os lábios presos e costurados, com os braços atados envolta do corpo e enfurecido consigo próprio porque as palavras não saem. Seus gritos solapados não ecoam no espaço circundante; a angústia em sua voz é latente escuridão em sua garganta. Embora tente libertar-se, como teme a libertação.  Contudo, tal homem ainda assim dança, mas como se fosse um peixe que se debate de angústia. Seu espírito quer libertar-se, mas sua voz permanece atada.


Esquadros – (para entender quem de dentro de si não sai...)
 Por: Debis Duarte
A Vinícius.

Um tanto de aspereza se contorcionava no parapeito da varanda que dava para uma praça singela e inóspita, arrefecida pelos vazios da existência. No fim da tarde tinha por costume soçobrar em veleidades e incongruências. Vez ou outra, recorria ao átimo de loucura interna que escorria pelas fibrosidades de seu ser – ineria à essa substância uma essência descolada do real. Tampouco, se sentia ou se percebia como parte daquele lugar.
Quando se demorava no parapeito era como se encontrasse um ponto de apoio, amornado, é verdade, mas o sentia, ainda que tivesse que farejá-lo agressivamente como cadela que é perseguida e encurralada pelas sutilezas do desejo. A vida, como força extrínseca, sucumbia naquela varanda. Despertava-se para algo interno, como quem vai a uma quinta num domingo pela manhã, visitar parentes antigos, há tanto esquecidos.
Essas Idas lhe insinuavam uma espécie de degredo involuntário, no entanto sua disponibilidade alardeava-se quando se dava conta de sua identidade esfacelada, esquecida, coabitada por seus fantasmas.
A certa altura, e cansado de ficar em pé, estático, observando tão somente as folhas das árvores que insinuavam um adeus outonal, decidiu sentar-se e acomodar-se numa cadeira mal disposta detrás de um vaso de açucenas – degeneradas pela ação do tempo seco que atropelava a cidade. Quando pousou seu corpo sobre a cadeira, um rangido o fez intumescer por dentro, como se o barulho revelasse sua fragilidade, despertando-o para o medo da queda. Curvando-se para frente, estendeu seus olhos para debaixo da cadeira e viu, ali, um dos pés frouxos. Estava tão indisposto que preferiu retroceder à posição inicial, num movimento suave e discreto, tratando de obedecer às leis da gravidade sem muita especulação.
Como de costume, ficava à espera de algo que lhe era bastante desconhecido, mas, vez ou outra, impunha seu olhar com mais contundência sobre os transeuntes que começavam a circular pela praça com o avanço da noite. Diante daquele silêncio fugidio, outros sons o perfuraram: um telefone, uma campainha, alguns carros engastalhados na rua defronte...enfim...todo um cenário caótico e, ao mesmo tempo, alheio. Ignorou todos e cada um daqueles ruídos, imergindo num ensimesmamento profundo.
Como a noite avançava, voltou para dentro de seu apartamento, encostou a janela de vidro e foi até a cozinha esquentar um copo de leite. Encostou-se na parede que separava a cozinha da sala. Aquele lugar e aquele copo de leite estavam impregnados de lembranças. Nas mãos, tatuadas pelos anos, o copo de leite o lançou a vários lugares – um deles: a sua própria infância. Lembrava-se de seu avô – homem sisudo e árido como o sertão –, nessa imagem encontrou ressonâncias. Foi até o espelho que ficava ao lado da televisão. Nele, observou os pormenores esquecidos em seu rosto. Em cada traço, em cada marca, encontrou suas heranças: era tão estéril quanto sua estirpe. Sentiu-se inabitável e solitário – e se percebeu assim, como se nos meandros de seus mistérios começassem a coagular significados capazes de capturá-lo. Uma falta de atenção o fez reter seu olhar na moldura de vime que enquadrava o espelho: nela viu as linhas emaranhadas de sua vida. Cada laço em um, cada um no outro e, nestes: seu Ser.
Se embruteceu quando voltou ao espelho, pois a imagem primeira havia se desconfigurado por completo. Era um outro Eu. Dissipado. Vadio. Insólito. Deu alguns passos como quem procura se desvencilhar de alguma coisa. Caminhou a passos curtos e apressados, sem olhar para trás. Suas pernas tropeçaram no braço do sofá, fazendo-o cair. Inerte, mirou a alvura do teto e dela se alagou.
O relógio despertava. Cinco e meia da manhã. Era preciso acordar. Levantar-se. Abrir a janela de vidro. Encostar-se no parapeito da varanda. Observar a gente que passava.






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